sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Emir Sader tirando as palavras da minha boca.

Reproduzo aqui um texto escrito por Emir Sader e publicado em seu blog na Carta Maior. Ele conseguiu sintetizar tudo o que eu penso sobre o Estado brasileiro. Aliás, tudo o que penso e espero de um Estado. Ele tirou as palavras da minha boca:



Um Estado para governar para todos
por Emir Sader

O Estado sintetiza, de alguma maneira, a sociedade que temos. O político condensa, sintetiza, o conjunto das relações econômicas, sociais e culturais – na visão de Marx.

O Estado brasileiro, antes de 1930, era literalmente o Estado das oligarquias primário-exportadoras: dos setores que produziam para a exportação e dos que comercializavam essa produção e importavam das metrópoles para o consumo das elites. Era um Estado de uma ínfima minoria, governando para o interesse dessa ínfima minoria. A grande maioria da população nem era contemplada pelo Estado, nem se reconhecia nele.

A primeira grande transformação do Estado brasileiro se deu a partir de 1930. O Estado começou a assumir responsabilidades sociais, contemplando a setores populares como cidadãos – sujeitos de direitos -, passou a incentivar a economia voltada para o mercado interno, permitiu o inicio do processo de sindicalização dos trabalhadores, formulou uma ideologia nacional e começou a aparecer como o Estado de todos os brasileiros.

Esse Estado, correlato aos processos de industrialização, de urbanização, de sindicalização, de democratização social e politica, teve um freio radical com o golpe de 1964. A ditadura militar se impôs como governo das elites dominantes contra os setores populares. Além da brutal repressão contra o campo popular e tudo o que tivesse que ver com democracia, impôs o arrocho salarial e a intervenção em todos os sindicatos, promovendo uma lua-de-mel para as grandes empresas nacionais e estrangeiras. Crescia a economia, mas não se distribuía renda, se concentrava a riqueza e se multiplicava a desigualdade e a exclusão social. O Estado tinha se tornado, de novo, um instrumento exclusiva das classes dominantes.

A democratização permitiu a recuperação de muitos dos direitos democráticos abolidos pela ditadura, permitindo uma nova identificação da população com o Estado, por meio da democracia. Mas esta coincidiu com a explosão da crise da dívida – uma divida alimentada criminosamente pela ditadura militar, que endividou o país sem benefícios para a massa da população e a juros flutuantes. Com a elevação brutal da taxa de juros, a economia do país quebrou, foi interrompido o processo de desenvolvimento econômico que, de uma ou outra forma, tinha se estendido desde 1930. Se desmoralizava a democracia, porque não promovia o bem estar da população e postergava a eleição direta do presidente, até que sua desmoralização levou à eleição de algum provindo da ditadura pouco tempo depois do fim desta, como presidente.

Collor, Itamar e FHC representam a era neoliberal no Brasil, em que o Estado foi reduzido às suas mínimas expressões, a economia foi desregulamentada, o mercado interno aberto aos capitais externos, as relações de trabalho foram precarizadas. O Estado tornou-se o Estado das grandes corporações nacionais e internacionais, sob o reino do mercado e da brutal reconcentração de renda que ele produziu.

O Estado voltou a ser desmoralizado nos discursos de Collor, de FHC, nos meios de comunicação, como inútil, negativo, que arrecada impostos tomando dinheiro dos cidadãos, que é ineficaz, burocrático, que prejudica o funcionamento dinâmico da economia. Em contraposição, se fazia a apologia do mercado, a quem foi entregue valioso patrimônio publico sob a forma das privatizações, deixando circular livremente o capital, para dentro e para fora do país, diminuindo ainda mais a presença do Estado nas politicas sociais. O Estado se afirmava, mais ainda do que no passado, como instrumento das elites do país, contra os interesses nacionais e populares.

Nos últimos anos o governo foi recuperando o prestigio do Estado. Os impostos foram sendo devolvidos à cidadania por intermédio das politicas sociais, pela melhoria do atendimento da população, extensão da educação publica, melhoria relativa da saúde publica. O Estado se responsabilizou por enfrentar a crise, impedindo que produzisse aqui – como em muitos lugares – uma recessão profunda e prolongada.

Mas tudo isso foi feito na contramão de um Estado que tinha sido feito para não agir, para deixar que o mercado ocupasse todos os espaços. Um Estado burocratizado, adaptado às irregularidades e corrupções, nada transparente, feito para manter a sociedade e o poder como eles são, incapaz de promover suas transformações democráticas.

Em primeiro lugar, o espírito público, a ideia de que não são funcionamentos do Estado, remunerados pelo Estado, mas são servidores públicos, remunerados com os impostos da cidadania e que se devem a ela, tanto na prestação de serviços, como no respeito às leis e normas.
Em segundo lugar, que ocupam cargos por concursos públicos, a forma mais democrática de preenchimento de cargos. Que devem prestar contas periodicamente à cidadania do cumprimento das funções que lhes são assignadas. Que devem ter plano de cargos e salários e avaliação permanente do seu desempenho.

Em terceiro lugar, deve haver transparência absoluta de quem financia o funcionamento do Estado e a quem o Estado transfere os recursos arrecadados. Hoje a estrutura tributaria é muito injusta, recaindo o essencial sobre os mais pobres, com o Estado transferindo uma parte do que arrecada para o capital financeiro, por meio do pagamento das dividas do Estado. O Orçamento Participativo é um instrumento essencial ao caráter púbico e democrático do Estado. Suas formas de existência tem que ser adequadas ao funcionamento eficiente do aparelho do Estado, mas tem que ser transparentes e ser controladas pela cidadania.

O Estado tem que governar para toda a população, tendo neste critério o filtro fundamental das suas decisões. Para que isso ocorra, a cidadania tem que ter mecanismos de informação – que podem ser via internet – e de discussão e controle da atuação dos governos. Os mecanismos de ratificação dos mandatos são uma das formas desse controle, quer permitem atualizar a legitimidade dos governos como produto da avaliação do seu desempenho.

Para que possa haver uma relação democrática e transparente entre governantes e governados, é preciso democratizar radicalmente os meios de comunicação, para que deixem de expressar um setor apenas – claramente minoritário hoje – da população, para propiciar informação minimamente fidedigna, espaços de debate que contem com opiniões que expressem de forma pluralista o que pensa a cidadania no seu conjunto e não apenas a minoria. Para isso é necessário uma imprensa pública – estatal e não estatal – que não seja financiada pelos grandes capitais privados – como acontece atualmente – e que amarra os interesses dessa mídia com os interesses dos mais ricos e poderosos.

Finamente, é necessário terminar com o analfabetismo e com o analfabetismo funcional – que somam a cerca de um terço da população – para que seja possível a informação e o debate generalizados por toda a população do país.

Consolidar, estender e aprofundar um governo para todos requer um Estado adaptado aos interesses das grandes maiorias do país, que demanda portanto profundas transformações – que podem ser obtidas mediante a convocação de uma Assembleia Constituinte autônoma, como a anunciada por Lula e por Dilma na recente campanha eleitoral.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Os parasitas

O PMDB, sucessor do MDB, partido de oposição ao governo militar e à ARENA, é um partido de história. Ele possui uma história, uma trajetória, e muito bonita, democrática e renovadora (em uma singela ironia com a extinta ARENA). É inegável que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro tenha uma importância enorme na formação de nossa política e de nossa história, principalmente, no período de redemocratização. Porém, ao longo dos anos, o PMDB tem se afundado nas próprias divergências, em seu quadro político extremamente inflado e em sua fraqueza ideológica.

A primeira ruptura dentro do PMDB, foi quando FHC, Sérgio Motta, José Serra, Mário Covas, entre outros nomes tradicionalmente tucanos, fundaram o PSDB. Foi o primeiro sinal de que, devido à falta de identidade ideológica, importantes políticos do partido preferiram formar suas próprias legendas, erguendo as bandeiras de seus valores e ideais. Mas esta foi a única ruptura importante. Depois da fundação do PSDB, nenhum outro partido dissidente do PMDB surgiu. O partido continuou enorme, inflado, e ainda sem identidade ideológica.

Ideologicamente, o PMDB é um "partidão" de centro. Mas este centrismo do qual faz parte, é muito mais relacionado ao termo popular "em cima do muro", do que da corrente ideológica de posição moderada, defensora da justiça social dentro do capitalismo. Ao longo dos anos que se seguiram após a volta da democracia, o PMDB tem se mostrado um partido parasitário. Como não possui identidade suficiente para fazer um candidato próprio à presidência da república, prefere apoiar todo e qualquer governo eleito. Para esta missão, o fato de ser o maior partido do Brasil, ajuda. E muito. O PMDB é indispensável para a formação de qualquer base governista forte. Todo e qualquer partido que eleja seu candidato à presidência, necessita do apoio do PMDB, uma vez que este ainda é forte, tanto no congresso, quanto no governo dos estados.

E para que seus "aliados" nunca se esqueçam da importância do partido para a formação de qualquer governo, seus líderes não hesitam em demonstrar sua força através de ameaças, com o objetivo de achacá-los. Exigem a quota de ministérios e pastas que bem entendem ser úteis para si, não se preocupando com a competência ou eficiência do futuro gabinete. É exatamente o que está acontecendo agora, durante a formação do governo Dilma Rousseff. O PMDB pressiona seu aliado, o PT, indica seus ministros e ameaça ruptura se contrariado. Então, pressionada, Dilma cede os ministérios desejados - ou nem sempre - aos parasitas centristas. Nomes normalmente pouco técnicos, contrariando o que desejava a futura presidente para seu gabinete. Porém, há que se ceder às pressões parasitárias.

É uma pena que o PMDB ainda seja tão importante para o país, uma vez que se preocupa tão pouco com ele. Pensa primeiro nos interesses próprios. Sem contar os casos de corrupção e os nomes ilustres como os do Coronel José Sarney e de Orestes Quércia (que por sua vez, não se suportam e não se apoiam). Mas, assim é o PMDB. Uma orgia. Uma Torre de Babel política. Mas que, infelizmente, não mostra sinais de que vá ruir.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O abracadabra da política

Parece que não, mas há uma "fórmula mágica" para a política. Há uma equação, que se efetuada, pode levar partidos e seus líderes a triunfos políticos. Uma dessas equações poderia ser unir seus amigos, colegas, companheiros, ou seja, partidos políticos que compartilham da mesma ideologia, para a formação de uma base aliada fraternal. Mas a fórmula mágica das alianças políticas vai além disso. O foco principal não são seus amigos ou semelhantes ideológicos, e sim, seus inimigos.

Muito mais importante do que trazer para perto de si partidos políticos com afinidade para a construção de uma aliança, é que se identifique um inimigo comum. Um desafeto comum entre partidos de um país, semelhantes ideologicamente ou não. Com interesses comuns ou não. Muito mais importante que aliar-se ao seus "chegados", é construir uma aliança com o objetivo de derrubar um partido inimigo.

É o caso das alianças políticas no Brasil de hoje. Há alguns anos atrás, ainda antes do "mensalão", o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o histórico partido de Getúlio Vargas, estava em plena harmonia com o PT, o Partido dos Trabalhadores. Ideologicamente semelhantes, e portanto, juntos em uma mesma base governista. Mesmo com a existência do "mensalão", PTB e PT permaneciam juntos por haver semelhança em idéias e posicionamentos sobre a política nacional. Nessa mesma época, o PP (Partido Progressista - do "progressismo" erroneamente caracterizado como liberal-) era da oposição. O "partido do Maluf", ex-PPB e PDS, herdeiro político da ARENA, fazia parte da oposição ao governo Lula. Já era de se esperar, o partido da ditadura contra o partido dos sindicalistas. Faz sentido. Hoje, porém, a situação é outra.

Nas eleições deste ano, o PTB estava ao lado dos demo-tucanos e de seu candidato, José Serra. O trabalhismo aliado ao conservadorismo e ao neoliberalismo de terceira via do PSDB/DEM. Uma aliança um tanto quanto duvidosa. Mas refletia o descontentamento da cúpula do PTB, que havia rompido com o PT meses depois do escândalo do "mensalão". Já o PP "de Maluf", estava aos poucos debandando para os lados da candidata petista Dilma Rousseff. O partido herdeiro da ditadura, se aliando à candidata ex-guerrilheira e subversiva? Reflexos da fórmula mágica da política: a união para enfraquecer ou derrotar um inimigo comum.

O PP, ao longo dos anos, se manteve neutro quanto a seu posicionamento na esfera política nacional. Durante o governo FHC, não fazia oposição, mas se negava a apoiar o presidente tucano abertamente. Claro que alguns de seus membros se identificavam com o pensamento neoliberal de Fernando Henrique, mas ainda assim, a posição do partido permanecia neutra. Chegada a Era Lula, o PP partiu então para uma verdadeira oposição. Porém, devido a desentendimentos passados, recusava-se a se aliar com os tucanos, tomando parte de uma oposição independente. Agora, em 2010, o PP se coloca oficialmente e a nível nacional ao lado da futura presidente Dilma. Uma posição jamais tomada pelo partido antes.

Com esta aproximação ao governo do PT, o PP pretende somente uma coisa: enfraquecer ainda mais os demo-tucanos. Provavelmente, a cúpula do "partido do Maluf" se cansou de ser a herdeira coadjuvante da ARENA, uma vez que nestas eleições o PSDB provou de vez sua inclinação golpista e direitista. O que o PP pretende é simples, derrubar ainda mais os tucanos e os democratas. Afundá-los ainda mais na lama. Não seria de se surpreender se, ao longo do governo Dilma, o PP se aliasse aos poucos com setores que nestas eleições mostraram apoio a José Serra. Seria perfeito. Ter setores conservadores da sociedade ao seu lado, e ainda assim, apoiando o governo petista. Seria como fazer uma oposição invisível, e portanto, extremamente perigosa.

Resta agora saber se, identificado o "inimigo comum", as alianças surpreendentes surgidas nestas eleições permanecerão. Ou se, ao longo da administração de Dilma Rousseff, as velhas divergências virão à tona e a quebrarão, fazendo cair a máscara daqueles que buscam nas alianças políticas nada mais do que parasitar os que estão no poder, tirando o sangue dos mesmos, para transformá-lo em veneno a ser destilado em eleições futuras.