sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Liberdade ou libertinagem?

Existe um bom e velho ditado que diz "para tudo há limites". Ele nos ajuda a compreender que, para mantermos a ordem e o bom andamento das coisas, temos que impor limites. Limites de comportamento, conduta, e até mesmo, opiniões. Logo, devemos diferenciar a liberdade da libertinagem, esta sendo a liberdade sem limites, que atropela direitos civis, principalmente coletivos, sendo extremamente nociva à sociedade.

Portanto, há limites para a liberdade de expressão? Para a liberdade de imprensa? Sim, há. A liberdade de expressão e opinião de um indivíduo acaba quando começa a atropelar os direitos do próximo, ou de um determinado grupo. A liberdade de imprensa acaba quando começa a prejudicar ou atrapalhar o poder da sociedade de refletir sobre seus próprios temas sem a necessidade quase viciante e aditiva dos chamados "formadores de opinião". A livre reflexão é a verdadeira liberdade de expressão.

Em 1984 o Brasil se livrou da ditadura militar. Se livrou de um regime neo-liberal nocivo à sociedade e aos direitos humanos, um regime "de exceção" que usava o totalitarismo para impor o poder e a vontade de uma minoria, de uma oligarquia. Com o fim da ditadura, um "novo" Brasil nasceu. Não foi um renascimento. Foi um nascimento de "reais liberdades" para a sociedade, uma sensação falsa e inevitável. Porém, este sentimento de que a liberdade havia chegado causou um efeito colateral: a total falta de atenção aos direitos coletivos. A chamada "liberdade", amparada pelos mais diversos setores como a mídia e a Igreja, passou a ser colocada em prática de maneira irresponsável e promíscua. Foi então que a liberdade de expressão, que a liberdade de imprensa, se convergiram em libertinagem.

Seguindo o padrão americano, o Brasil adotou o "American way of liberty", onde o direito de se expressar e direito à livre opinião reinam sobre os direitos coletivos, principalmente de minorias. Onde tais direitos só são respeitados quando amparados por instituições fortes na sociedade americana, como as Igrejas e grupos religiosos e o próprio governo. Hoje, a liberdade de expressão de Igrejas evangélicas é muito mais importante do que o direito básico que homossexuais, seguidores de umbanda e candomblé, e tantos outros grupos minoritários alvos de pastores e bispos evangélicos, possuem: o respeito. O mesmo acontece com a liberdade de imprensa. O direito que a mídia tem de se expressar, costuma atropelar o respeito que deveriam ter pelo governo, estabelecido democraticamente e que tem seus representantes escolhidos pelo povo. Mas esta questão merece uma análise mais profunda.

A mídia brasileira e seus donos, oligarcas das comunicações como os Marinho, os Civita, os Mesquita, os Frias de Oliveira, consideram-se "formadores de opinião". Sim, formam opinião, e da maneira como desejam. Defendem seus interesses, e não se preocupam em informar e tratar questões - principalmente políticas - de forma imparcial. São eles os principais defensores da liberdade de imprensa. São eles os que mais temem a regulamentação da mídia. Os irmãos Marinho, "Otavinho" Frias de Oliveira, Roberto Civita, Ruy Mesquita, entre outros, tornam-se os homens mais amedrontados em território nacional quando sentem que suas liberdades podem ser "censuradas". Ficam amedrontados, pois não querem ser obrigados a informar a população de maneira verdadeira, querem continuar distorcendo fatos, usando a liberdade de imprensa de maneira promíscua, sem compromissos com a verdade.

Portanto, a liberdade de imprensa acaba quando ela se torna nociva à sociedade. Quando ela distorce fatos, ou os inventa, buscando fazer seu jogo, defender seus interesses ou os de seus aliados. E é por isso que o controle social da mídia é tão importante. A história de que "a melhor forma de controle da mídia é o controle remoto", é pura asneira. Tal idéia, defendida inclusive por nossa presidente eleita Dilma Rousseff, é extremamente duvidosa e demagoga. Principalmente, porque nem todas as pessoas possuem o discernimento de escolherem o que querem ver. Não sabem selecionar conteúdo de maneira correta. Algumas pessoas em nosso país acreditam cega e piamente na mídia. No que vêem na televisão, no que escutam na rádio, ou no que lêem nos jornais e revistas. Logo, temos que defender esta massa manipulada da manipulação e de seus manipuladores. Se não, jamais teremos um povo consciente, que saiba refletir, que saiba "pensar com a própria cabeça", que possua opinião própria, sem a necessidade de "formadores de opinião".

Há quem diga que estamos entrando na era do "politicamente correto". Que nosso país, proibindo a distribuição de livros de Monteiro Lobato que possuam conteúdo que possa incentivar o racismo, por exemplo, está se tornando um país chato. Que o "politicamente correto" é chato. Acredito que as pessoas que assim pensam, são as mesmas conservadoras e defensoras do bom e velho Brasil de sempre. Que acham a modificação na estrutura social de "casa grande e senzala" pela qual estamos passando, incômoda. Estamos entrando em uma nova era. Na verdade, já entramos. O Brasil está mudando, e estamos nos preparando para ser uma nação respeitada, correta. Ou, pelo menos, alguns estão tentando.

Sem dúvida, neste novo Brasil que está se esforçando para nascer, não há espaços para irresponsabilidade. Nem para libertinagem de expressão, ou libertinagem de imprensa. Nem para preconceito, intolerância. Neste novo Brasil, é necessário que a sociedade se torne cada vez mais livre, realmente livre. Que possa pensar pela própria cabeça, e que aprenda a respeitar as liberdades coletivas. O bem-estar coletivo. Para resumir, o brasileiro precisa aprender que sua liberdade de expressão acaba quando começa a liberdade do próximo de ser respeitado, de viver livremente. E a imprensa precisa aprender que sua liberdade também tem limite, e ele chega quando esbarra no direito que os cidadãos têm à verdade e à informação real, responsável. É um duro aprendizado, mas indispensável para o progresso da sociedade brasileira. Doa a quem doer.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Os eternos derrotados

As eleições acabaram. O Brasil escolheu seu governante. Os brasileiros elegeram seu (sua) futuro (futura) presidente. Dilma Rousseff sai vitoriosa dessas eleições. Lula sai vitorioso dessas eleições. O PT, o socialismo democrático, a esquerda brasileira e latino-americana, o Bolsa Família, os sindicalistas, os mais pobres, todos saem vitoriosos dessas eleições. Mas, mais importante do que a vitória de uns, é a derrota de outros.

O PSDB perdeu. O DEM perdeu. O FHC perdeu. O neoliberalismo perdeu. E com eles, perderam as elites, a burguesia, a aristocracia brasileira. O "bolsa esmola" venceu o "vai trabalhar, vagabundo" (Santas palavras de Chico Buarque). A derrota acachapante dos tucanos pela terceira vez consecutiva, demonstra reprovação do modelo neoliberal imposto pelo PSDB e São Paulo ao Brasil. Demonstra uma reprovação do elitismo. Demonstra que o candidato da "massa cheirosa" e do "Príncipe dos Sociólogos", não pode vencer o "Sapo Barbudo" e sua candidata "terrorista subversiva". A esquerda tomou conta do país, doa a quem doer.

Num país historicamente desigual, é compreensível que um candidato que tenha feito o possível para reduzir a pobreza no país - atingindo seus objetivos nesse sentido -, torne-se uma espécie de "referência" para os mais necessitados. Pessoas de classes sociais mais baixas, portanto, jamais votarão outra vez em um partido que seja visto como "elitista", e que quando está no governo (como já sabemos todos), não faz o suficiente para combater a pobreza e a desigualdade social. Mas isso não é uma prática partidária. Nem pessoal. É uma prática ideológica. É o neoliberalismo, é o "laissez-faire".

O PSDB surgiu como um partido social-democrata, um partido adepto da Terceira Via, popularizada por Bill Clinton e Tony Blair no início dos anos 90. Esta surgia com um propósito nobre e útil para a política: gerar uma maior proximidade entre a esquerda e a direita. Incorporava maiores liberdades econômicas, globalização e privatizações para governos de esquerda, e maior influência estatal na economia, cuidados com o bem-estar e programas sociais para governos de direita. Era um balanço, um equilíbrio, um meio-termo entre esquerda e direita, entre socialismo e liberalismo. Porém, se a idéia inicial do PSDB era introduzir a Terceira Via no Brasil, ao longo do governo FHC essa idéia se esvaiu. Talvez graças à proximidade dos tucanos com os liberais conservadores do PFL, antiga ARENA. Em seu governo, o PSDB lembrou-se da parte direitista e liberal da Terceira Via. Privatizou, priorizou o câmbio, o controle da inflação e as políticas monetárias. Mas se esqueceu do lado social. Não combateu, com força, a pobreza e a desigualdade social. Muito pelo contrário, sua política privatizante e cambial causou ainda mais desigualdade, aumentando o abismo social no Brasil.

Hoje, o PSDB tornou-se um partido de direita. O neoliberalismo - uma verdadeira arma de destruição em massa em um país como o Brasil - tornou-se sua principal ideologia. E a democracia cristã também, como demonstraram essas eleições. Mesmo com seu patrono Fernando Henrique se declarando abertamente ateu durante os anos 80, o PSDB se tornou uma espécie de "Tea Party" brasileiro. Um partido defensor da moral e dos bons costumes, que nestas eleições obteve o apoio da Igreja Católica Brasileira, da CNBB, da TFP e de outras organizações conservadores católicas. O PSDB, portanto, deixou de ser um partido social-democrata, de centro-esquerda, e seguidor da Terceira Via. Hoje ele é um partido liberal conservador, de direita, uma espécie de filial moderada (ou não) do DEM, ex-PFL.

Após sua terceira derrota nas eleições presidenciais, chegou a hora do PSDB mudar. Ou melhor, se renovar, se reinventar. Ele não deve "olhar para trás", ou "trazer de volta sua identidade", como disse FHC. Ele precisa olhar para frente. O PSDB precisa progredir se quiser manter seu lugar de destaque na oposição. E uma das primeiras medidas a serem tomadas para que isso aconteça é deixar de lado o "paulistismo", ou "paulicentrismo". São Paulo não é o Brasil. E o brasileiro não vota em São Paulo. O brasileiro vota no Brasil. O PSDB tornou-se uma espécie de novo PRP (o extinto Partido Republicano Paulista, da república do "Café com Leite"), um símbolo de São Paulo. Um símbolo da oligarquia paulista e sudestista. E olhe que nestas eleições, até o próprio sudeste o traiu. Em Minas e Rio, deu Dilma. Portanto, o PSDB precisa sair de São Paulo. Precisa sair das elites. Precisa sair do neoliberalismo. Ele deve renascer, reviver seu lado social-democrata, progressista, de centro-esquerda. Precisa deixar de lado o discurso conservador e retrógrado, e tornar-se defensor da modernidade.

Os tucanos precisam aprender a viver o Brasil. A tomar decisões nacionais, e não regionais. Precisam de mais Aécio Neves, com o reflexo e proteção de seu falecido avô - o eternamente querido Tancredo -, e de menos José Serra e a sombra de FHC e sua era de desigualdades. O brasileiro não vota mais em moeda e estabilidade cambial. Brasileiro hoje vota em combate contra a desigualdade social e pela distribuição de renda. Portanto, o PSDB precisa esquecer Fernando Henrique. Esquecer Serra e São Paulo. Precisa olhar para o Brasil e trazê-lo para perto de si. Precisa trabalhar a imagem de um líder verdadeiramente simpático e carismático se quiser ter chances nas próximas eleições. Ou então, vão continuar com Serra "e FHC" (que não se gostam muito), com São Paulo ao invés do Brasil, e continuarão representando uma página virada de nossa história, uma era para qual os brasileiros olham e pensam: "ela cumpriu sua função, mas já passou. E agora, nunca mais".