domingo, 11 de março de 2012

São Paulo Copenhague

Nos últimos anos uma nova moda tem feito a cabeça da classe média pseudo-elitista,  hype e “moderninha” de São Paulo: o uso da bicicleta. Ainda que me pareça bizarro em alguns casos, cada vez mais pessoas estão adotando a “magrela” como meio de transporte, nesta cidade que é cheia de subidas e descidas, que possui 11 milhões de habitantes e uma frota de mais de 7 milhões de veículos.

Cada dia se torna mais comum, em algumas áreas de cidade, deparar-se com a cena de um ciclista pedalando em meio aos carros, entre as faixas, como as motos. O que na verdade é proibido, inclusive para motos. Agora, eu me pergunto: bicicleta como meio de transporte numa cidade como São Paulo? Com motoristas mal-educados? Onde a pressa é a principal característica da população? Com pouquíssima infra-estrutura para ciclistas? Não seria uma tragédia anunciada? Acho que deve-se, portanto, abrir um debate sobre a questão.

Qual o objetivo de se utilizar uma bicicleta no dia-a-dia? Mais uma alternativa limpa para o transporte individual na cidade? Fazer dela o principal meio de locomoção? Fazer das "bikes" - como a classe média americanizada de São Paulo a gosta de chamar - a solução para o nosso transporte? Se este é o objetivo, acho extremamente ingênuo que estes intelectualóides da classe média o defendam. Primeiro porque trocar o carro pela bicicleta é inviável em alguns casos. São Paulo é uma cidade extensa, são 1.522,986 km² de área. Área esta que é extremamente diversa geograficamente. Cheia de altos e baixos, subidas e ladeiras. Subir a Brigadeiro de bicicleta exige um belo esforço. Ou então pedalar pelas ladeiras dos Jardins, Perdizes ou Vila Madalena.

A distância também é um problema. Poucas pessoas tem a sorte de trabalhar próximo ao local onde vivem. Duvido muito que o trabalhador que precisa se deslocar todos os dias do Grajaú para Pirituba esteja disposto a percorrer cerca de 60 km (aproximadamente 30 km na ida e 30 km na volta) pedalando diariamente. Realmente, ele ficaria extremamente saudável, como a maioria dos ciclistas que cultuam o corpo sarado. Mas creio que também ficaria exausto demais para cumprir com suas funções diárias.

Portanto, é preciso que se analise o tipo de pessoas que estão tão engajados na luta pelo uso da bicicleta. Eu faço uma aposta: publicitários, jornalistas, designers, produtores musiciais, programadores da web e outros dedicados a profissões “moderninhas”, hypes, “prafrentex”. Duvido muito que um operário metalúrgico, um pedreiro ou qualquer outro trabalhador que se dedique a atividades braçais esteja disposto a voltar exausto, cansado e suado para a casa montado em uma bicicleta. Aposto com toda a segurança de que ele prefere pegar um trem com ar-condicionado e chegar rápido em casa, sem precisar se esforçar ainda mais para estar em seu lar.

Logo, insisto em que aqueles que defendem a bicicleta são parte da classe média intelectualóide paulistana com complexo de burguesia. E que agora parece estar desenvolvendo a “Síndrome de Copenhague”. Algum “bacana” da classe média resolveu viajar para Copenhague - e não Miami ou Nova York, como a pseudo-elite paulistana adora fazer - e achou “cool” o uso de bicicletas por lá. Só esqueceram de avisar o obtuso (acostumado à megalópoles) que a capital dinamarquesa possui quase doze vezes menos habitantes que São Paulo. Copenhague possui 549.050 habitantes na cidade e, ao todo, 1.199.224 habitantes na área urbana. A subprefeitura da Capela do Socorro, em São Paulo, possui 561.071 habitantes. São 12.021 pessoas a mais do que na capital da Dinamarca inteira. Só a zona sul de São Paulo possui mais que o dobro de toda a população da área urbana de Copenhague, totalizando 2.346.913 habitantes. São condições demográficas totalmente diferentes.

Outra coisa que deve ser levada em consideração: a frota de veículos. E eles são exatamente 7.012.795. Só de carros, temos mais de 5 milhões. Os automóveis, infelizmente, são os principais meios de transporte na capital paulista. Digo infelizmente porque poluem e causam trânsito. Mas isso seria facilmente resolvido com um metrô mais extenso, o que ainda está muito longe de acontecer. E é ele, somente ele, o trem, que pode substituir o carro em São Paulo. Não a bicicleta. Somos como Tóquio, Cidade do México ou Moscou. E não como Copenhague, Amsterdã ou Oslo.

E também temos que pensar na educação dos motoristas. Todos sabem que em São Paulo ela é minúscula e, na maioria das vezes, está ausente nas ruas. Aliás, sejamos justos. Ausente não só nos motoristas. Ausente também nos pedrestes e, inclusive, nos ciclistas. Eu mesmo já presenciei vários deles passando em sinal vermelho com sua “bike”. Talvez eles não saibam que, em Copenhague, a cidade linda, plana e pouco densa das bicicletas, os ciclistas também respeitam os sinais de trânsito. Até com mais cautela do que os motoristas de carros, pois sabem que estão em desvantagem e são mais frágeis. Cautela de um lado (dos ciclistas) e do outro (dos motoristas) também. Educação, bom-senso e consciência. Coisas que faltam - e muito - em São Paulo.

Então acho que antes de colocarmos bicicletas nas ruas (em seu devido lugar, e não no meio dos carros), é necessário educar e conscientizar a população de que existem meios alternativos de transporte nesta cidade já suficientemente caótica. E também é preciso educar os ciclistas, conscientizando-os de que mostrar o dedo do meio para motoristas, arrumar briga no trânsito e depois cair no meio do corredor de ônibus não é algo muito seguro.

E antes de transformar São Paulo nesta “Copenhague Gigante”, é preciso também reduzir o número de carros nas ruas. E para isso, só metrô. Nem todos moram no Paraíso ou Higienópolis e trabalham na Paulista. Tem gente que percorre longas distâncias diariamente e muitas vezes moram e trabalham em lugares onde o metrô não chega (como eu). E não culpo ninguém por não gostar de andar de ônibus. Acho que poucos gostam. Portanto, o carro acaba se tornando a única alternativa. Por isso recomendo que se façam manifestações exigindo das autoridades mais metrô. Ou mais trens de superfície. Ou então, que votem em políticos e partidos diferentes. Pois já vimos que estes que estão no poder não estão muito interessados em transporte ferroviário. Afinal, só inauguram estações em véspera de eleição e constroem 1 km de metrô por ano.

É por essas e outras que meu respeito por esses manifestantes “modernetes” pró-“bike” é muito pequeno. Você os indaga “São Paulo precisa é de mais metrô”, e a resposta vem rapidamente, como se estivesse pronta: “também”. Mas, levando-se em conta a posição social e a classe à qual pertencem estes indivíduos, tenho certeza de que votam nestes mesmos políticos que não constroem metrô. E que nos governam há quase 20 anos. Mas acho que eles não estão muito preocupados. É muito melhor pedalar sozinho em sua bicicleta, com o iPod no ouvido, ao som de indie rock, do que tomar um metrô cheio de trabalhador fedido. Dividir espaço com a “massa”.

Posso estar generalizando? Talvez. Mas não acho isso ruim. Exceções existem, mas atrapalham no entendimento do todo. Generalizo para resumir. Acredito que nas bicicletadas de São Paulo hajam trabalhadores, gente mais simples. Porque não? Eles também tem direito a usar bicicleta. Afinal, essa idéia não é elitista. Nem burguesa. Vide a bicicletada que ocorreu na Cidade do Cabo, na África do Sul. Nela só tinham brancos e loiros. Mas não. Não é um movimento elitista. Quem sabe um pouco de África do Sul entenderá a sutil ironia.

4 comentários:

  1. Motivo para ficar tranquilo: é modinha, que sempre passa.

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  2. Achei seu texto meio radical. Não é preciso fazer todo o caminho de bike, oras.
    Pouca gente mora muito próximo das estações de trem/metrô, e muitas vezes o destino também não é perto de uma estação. Nessas pequenas distâncias que a bicicleta pode entrar.
    Ainda que não se possa entrar com bicicleta nos trens em horário de pico, por motivos bastante óbvios, cada vez mais estações possuem bicicletários onde se pode deixar (gratuitamente) a sua bicicleta e, se precisar, pegar uma emprestada. (http://www.metro.sp.gov.br/sua-viagem/bicicletas/bicicletarios.aspx)

    PS: São esses governantes que "estão ai há 20 anos" os que tem mais feito metrô no país. Não que a coisa esteja boa - agora o ritmo de projetos e obras se aceleraram, mas é algo que já deveria ter acontecido há mais tempo - mas ainda está melhor que o metrô das capitais que dependem do governo federal...
    Discordo que eles não estejam interessados em transporte ferroviário. Além de terem percebido que é algo necessário para a cidade não parar, notaram que metrô dá voto.

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  3. Felipe, todos os meus textos são radicais. Não acho isso ruim, é apenas meu ponto de vista. E a crítica principal foi às pessoas que acham que bicicleta é a solução para o transporte na nossa cidade, o que não faz o menor sentido. Outra crítica minha também foi ao caráter elitista desse movimento. Para mim é o mesmo que a Marcha Contra a Corrupção. Tão ridículo quanto.
    Bicicleta pode e deve ser uma opção. Mas uma opção. Usa quem quer.

    Quanto a essa história dos tucanalhas serem os que tem mais feito metrô do país, é fácil explicar. Governam São Paulo, o maior estado da nação, cuja capital é a maior cidade do Brasil. A que possui a maior necessidade de metrô. E ainda assim, o metrô daqui é uma vergonha. Começaram a expandí-lo porque precisavam de votos, como você mesmo disse, para enfrentar a popularidade do Lula e da Dilma. Estão no poder desde 1996, poderiam ter feito muito metrô em todos esses anos.
    Quanto às verbas, mesmo o metrô de São Paulo depende de repasse federal. Principalmente do PAC, que foi um dos facilitadores da expansão do metrô de São Paulo. E não, eles não estão interessados em transporte ferroviário. Tanto não estão que quando governaram o país, privatizaram a já falida malha ferroviária brasileira. O ferroanel de São Paulo está aí, no papel.
    O transporte ferroviário no país está crescendo e graças ao PAC. Um exemplo é a ferrovia transnordestina. Por enquanto só para transporte de cargas, mas logo, para passageiros também.
    Tudo que o PSDB faz no governo de São Paulo, Felipe, ou é para manter a popularidade deles no estado (pois ela só existe aqui) ou porque são coisas que realmente precisam ser feitas. Não fazem nada mais que a obrigação. E se, aparentemente, fazem em quantidade maior, é porque governam o maior estado da união.
    Precisa acreditar menos nas propagandas do governo do estado ou de campanhas políticas do Serra.

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  4. Mas Bruno, concordo com quase tudo que você disse sim. O que foi feito foi mais porque não havia jeito (e então por se notar que chama votos) mesmo.
    E o ferrnoanel realmente está tendo investimentos grandes do governo federal, mas o transporte de passageiros não. Só dar uma olhada nas linhas que a CBTU opera ou tem participação.
    E os investimentos diretos (tirando empréstimos do BNDES) do governo federal no Metrô-SP são consideravelmente pequenos. Menores que os da prefeitura, por exemplo. Mas o governo federal já se comprometeu mais com a futura Linha 18, que vai pra SBC. Espero que os investimentos continuem.

    Quando disse que SP faz mais que o resto, não quero dizer que SP vá bem, porque não vai. Faz meramente o necessário e só começou a investir tarde. Como você disse, desde 1998 poderiam fazer mais. Dessa época, lembro só das estações novas na hoje Linha 9 da CPTM e do trechinho da Linha 5 do Metrô, que ainda é o mesmo até hoje.
    O Rio não vai tão mal, mas lá toda a rede (trens e metrô) é privatizada.

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